Bem no meio da
floresta de Falowey, centenas de pequenas fadas voavam, circulando de um lado
para o outro, tecendo uma espécie de teia, cujo fio era quase imperceptível a
olho nu, por ser muito transparente e por ter espessura insignificante. Porém, eram
quilômetros de fios que pareciam um emaranhado de cabelos. Enquanto as pequenas
fadinhas trabalhavam, recebiam ordens de um duende que falava:
–
Andem! Suas preguiçosas!
Uma das fadinhas,
zangada com o feio duende, saiu de sua posição de tecelã junto às outras, voou
um pouco acima da cara do duende, pôs as mãos na cintura e disse:
– Seu gnomo de
meia tigela.
– Não sou um
gnomo, sou um duende.
– Ora, é mesmo? Se
fosse mesmo um duende, não seria tão mal. – Retrucou a fadinha, argumentando.
O duende perdeu
as estribeiras. Levanta as mãos e deu um safanão na pobrezinha, que saiu
rodando. Neste instante, outra fada saiu de sua posição de tecelã e foi até o
malvado duende, dizendo em alto e bom tom:
– Agora chega!
O duende, todo
prosa por ser maior e mais forte, encarou a fadinha:
– Chega de quê? –
Caminhando em direção à fadinha, que voava diante de seu rosto. Continuou:
– Sua...
Antes que ele
pudesse terminar a frase, a fadinha retrucou, parando em frente ao nariz do
duende:
– Epa! Espera aí,
seu duende mal cheiroso. Eu sou uma princesa!
O duende soprou
a pobrezinha, que deu algumas cambalhotas no ar, enquanto o duende caçoava da
situação. A fadinha parou de cambalear, passou as mãos em suas pequenas folhas,
que serviam como saia, ajeitou-as e arrumou seu cabelinho, gritando:
– Nossa, que
bafo! –Deu ordens para as outras
fadinhas:
– Parem de tecer,
agora!
O duende, quando
viu as fadinhas paradas, ficou apavorado, perdendo novamente as estribeiras:
– O que vocês
pensam que estão fazendo! Voltem ao trabalho! Meu senhor precisa da rede. Vamos,
trabalhem!
O duende tentava
pegá-las, pulava, esticava-se todo, mas não conseguia alcançá-las. Elas voavam
de um lado a outro, esquivando-se do duende. Já estava escurecendo, elas
pareciam pequenos vagalumes voando, até que o duende, exausto, se jogou no chão,
implorando:
–Desisto! Por
favor, trabalhem! Por favor! Por favor!
Foi então que a
princesinha reivindicou:
– O duende vai
continuar gritando?
– Não! – Ele
respondeu todo humilde
– Vai nos bater ou
baforar? – O duende demorou a responder, então, a fadinha repetiu a pergunta:
– Vai continuar
nos batendo e baforando no nosso rosto?
– Acho que não!
– Acha?
– Não! Não vou!
Algo se
aproximava pela mata. O duende apavorado disse:
– É meu senhor!
Está vindo! – Levantou-se rapidamente e antes mesmo que fosse receber seu
senhor, o tal homem apareceu, bem diante dos seus olhos.
– O senhor por aqui?
– Perguntou o duende, com muito medo devido ao fato de as fadinhas ainda não
terem terminado de tecer a rede.
– Por que elas
estão paradas? Seu duende imprestável. – Respondeu o zangado senhor.
– Elas estão
descansando, já é noite. – O duende respondeu ressabiado
– Contanto que
na próxima lua cheia esteja pronta minha rede...! – Disse o homem que desapareceu
mata adentro.
O duende, então,
implorou às fadinhas:
– Por favor! A
próxima lua está próxima. Terminem a rede! – E começou a chorar.
A fadinha sensibilizou-se
com o duende:
– Ah, coitadinho,
não precisa chorar! Meninas, a lua cheia esta próxima. Mãos a obra!
O duende ficou
todo feliz:
– Obrigado
fadinhas! – E sentou-se junto a uma árvore. Ficou olhando as fadinhas
trabalharem até cair no sono. Enquanto roncava, as pequenas fadas teceram a
noite toda. Pela manhã, bem cedinho quando o duende acordou, a rede estava
pronta, esticada de uma árvore a outra com vinte metros de altura. Ele
arregalou os olhos. Extasiado, levantou-se rindo, enquanto enrolava a rede todo
desajeitado. Acabou acordando algumas fadinhas que dormiam sobre folhas e
dentro de flores. A fadinha princesinha foi uma das primeiras a acordar com o
barulho do duende. Ela ficou só observando o que ele fazia. O duende, ao
terminar de enrolar a rede, entrou floresta adentro. A princesinha ao vê-lo
indo embora o seguiu, escondendo-se entre os galhos e folhas. Cada vez mais o
duende entrava floresta adentro. Duas outras fadinhas, ao verem a princesa
seguir o duende, decidiram segui-la mata adentro, enquanto chamavam:
– Princesa Tulipa!
Mais adiante a
encontraram:
– Oi, princesa! –
Mais que depressa, a princesa Tulipa abanou as mãos:
– Xiii! Não
façam barulho! – Disse a princesa, enquanto observava o duende ir à direção do
castelo.
O duende todo
feliz com sorriso de orelha a orelha andava por uma pequena estrada íngreme. Ao
chegar à porta do castelo, empurrou-a, fazendo-a ranger, e entrou.
– Agora ele já sumiu! Vamos embora! Disse as
fadinhas insistindo:
– Não, eu vou lá!
– Disse a princesa Tulipa, intrigada.
– Você
enlouqueceu, é perigoso! – Disseram as outras fadas simultaneamente.
– Vocês não têm
curiosidade para saber por que nos obrigaram a fazer a rede? Eu vou lá! – Insistiu
a princesa Tulipa.
Antes que as fadinhas dissessem alguma coisa, a
fada curiosa saiu voando até o castelo. Chegando à porta, olhou pelo buraco da
fechadura, estava com a chave. Ela recuou, olhou para todos os lados e viu uma
das janelas aberta:
– Eureka!
As duas outras
fadinhas ficaram questionando:
– Vamos ou não
vamos? Ela vai entrar mesmo! – Mas ao
verem a princesinha na soleira da janela, acabaram seguindo-a.
Enquanto a
princesa espreitava o melhor momento de entrar, as fadinhas chegaram atrás
dela:
– Ah, que susto!
A hora é agora, vamos! – Ordenou a princesinha. Mas só duas fadinhas voaram. Pressentindo
o perigo de que algo ou alguém se
aproximava, a princesa Tulipa e Papoula se separaram. Tulipa se escondeu atrás
de um jarro, e Papoula, atrás de uma flor próxima ao jarro. Assim que o perigo
passou, elas se olharam enquanto faziam sinais.
– Onde esta a Flor
de Liz? – Perguntou Tulipa. Papoula levantou vôo, sacudindo os ombros em
resposta à princesinha:
– Não sei!
Enquanto Papoula
voava até Tulipa, fitou a janela, vendo Flor de Liz na soleira. Imediatamente
apontou o dedo mostrando à princesinha onde estava a outra fadinha, então, fez
um sinal para Flor de Liz e falou baixinho:
– Vamos, venha! –
Na mesma hora, Flor de Liz bateu as asas e levantou vôo da soleira. Porém, antes
que pudesse chegar até Tulipa atrás do jarro, alguém se aproximou
desconcentrando Flor de Liz, que foi parar dentro do jarro. Antes que pudesse
sair, um homem se aproximou do jarro e o pegou pela alça, Flor de Liz, olhava para a saída do jarro e só
via o homem, que carregava o jarro, até ele colocar o jarro sobre a mesa. Flor
de Liz, não vendo mais o homem, voou em direção a saída do jarro, mas antes que
conseguisse sair apareceu o homem novamente, desta vez, colocando o gargalo de
uma garrafa na saída do jarro e despejando um líquido vermelho, entornado bem
em cima da pobrezinha, que se misturou ao líquido. Suas amigas olhavam tudo a
uma distância segura, espreitavam esperando o tal homem sair de perto para
poderem resgatar sua amiga, e foi o que aconteceu. Assim que o homem deu uma
folga, elas voaram até a boca do jarro:
– Que cheiro
forte! – Disse a princesinha, colocando parte de sua cabeça dentro do jarro.
– Ah, você esta
aí! – Flor de Liz estava boiando em cima de uma rolha, toda alegre:
– Ah, a vida é boa!
– Entre um soluço e outro, ela ria. Então, a princesinha chamou a outra amiga:
– Ajude-me a pegá-la,
depressa!
Flor de Liz
amparada pelas amigas saiu do jarro. As fadas viram um enfeite na parede, que se
parecia com móveis em miniatura. A princesinha, mais que depressa, decidiu:
– Ali, vamos! –
Voaram até o enfeite, colocaram Flor de Liz deitadinha num canto e ficaram de
prontidão, procurando o duende e a rede, mas nada de rede e muito menos de
duende. A princesa decidiu, então, fazer um reconhecimento do local:
– Você fica aqui
com a Flor de Liz. Eu já volto!
– Mas, e se você
não voltar? – Questionou Papoula, impressionada.
– Eu volto,
espere aqui! – Respondeu a princesa, e saiu pelo castelo, escondendo-se. Voou, voou,
mas não encontrou nada, até avistar o mesmo homem que pegou a jarra, agora, com
uma bandeja nas mãos. Tulipa o seguiu até o salão que tinha uma mesa imensa
ocupada apenas na cabeceira por um homem cabisbaixo que aparentava meia-idade. Ele
não tocava na comida servida à sua frente. A fadinha o achou tão triste que se
compadeceu dele, escondendo-se atrás de algumas peças de prata que estavam à
mesa, e ficou observando enquanto pensava: ”nem parece o mesmo homem que foi à
floresta quando tecíamos a rede”.
O homem se
levantou e foi em direção a uma sala cheia de livros. Subiu as escadas. Olhou
os livros na prateleira, um por um, mas nada parecia lhe agradar. Desceu a
escada, empurrando-a para o outro lado da estante. Subiu novamente à procura de
um livro, até que o encontrou. Então, desceu as escadas, sentou-se junto à
escrivaninha abarrotada de livros empilhados, abriu o livro retirado da estante
e o folheou, lendo pequenos trechos de cada folha. A fadinha estava empolgada
pra sair de trás das peças de prata para ver o que ele tanto lia. Ansiosa,
esperou até que ele saísse dali. Quando o homem se levantou e saiu da
biblioteca, rapidamente a fadinha foi até o livro, folhou algumas páginas e
ficou triste por alguns segundos:
– Mas eu não sei
ler essa língua! – Espera aí! Letras que andam! Letras que circulam! Assim são
todas as letras do mundo! – E pequenas estrelas foram saindo das mãos da
fadinha. As letras foram se modificando, se agrupando, formando palavras
compreensíveis à fada:
– Agora sim!
Vamos ver... Magia dos unicórnios, magia dos ventos, magias dos, ah não, esse
não... Vejamos este aqui, magia das fadas, achei! As fadas podem fazer uma rede
mágica que pode prender os mais furiosos que habitam na escuridão.
– Mas como o
duende conseguiu nos obrigar a fazer a rede? – Questionou a princesa Tulipa,
sem entender. Sem resposta, a fadinha fechou o livro e voou até suas amigas:
– Como Flor de
Liz está? – Perguntou a princesa Tulipa.
– Está dormindo.
E você, Tulipa, descobriu alguma coisa? – Quis saber Papoula.
A princesinha,
intrigada, respondeu à amiga:
– Sim, acho que
sim!
Papoula encarou
a princesinha:
– Não está
pensando em ir a algum outro lugar, está? Com ela assim, não vamos a lugar
algum.
Princesinha
Tulipa ignorou a fadinha, suspirou e virou para o lado:
– Vamos descansar!
– Dando um bocejo, continuou: – Amanhã tudo estará melhor!
No dia seguinte,
alguém passou tão rápido que provocou um vento, fazendo as fadas acordarem
assustadas:
– Flor de Liz: O
que é isso? Ai, minha cabeça! Onde estamos?
– Você não
lembra? Ela não lembra princesa Tulipa! – Respondeu a fada Papoula com ironia.
– Você não se
lembra do jarro? – Questionou a princesa Tulipa, impressionada com a falta de
lembrança de Flor de Liz, que respondeu:
– É mesmo,
aquele jarro, todo aquele líquido caindo em cima de mim... Acho que vou
vomitar!
– Podemos ir
embora! – Sugeriu Papoula.
– Não! Ainda
tenho que achar aquele duende mal cheiroso, ele está por aqui. Vou procurá-lo!
– Disse decidida a princesa Tulipa.
– Vai procurá-lo
onde? – Quis saber Papoula.
– Pelo castelo,
ora bolas! Você vem?
– Claro! Vamos Flor
de Liz!
Flor de Liz
levantou-se e bateu as asas:
– Estou
prontinha, princesinha! Tirando esse mal-estar.
Saíram às três
fadinhas batendo as asas atrás do duende. Foram voando pelo corredor e
bisbilhotando pelas frestas das portas entreabertas, até chegarem à cozinha:
– Que cheirinho
delicioso, estou morrendo de fome! – Gracejou a fada Papoula.
– Esperem aí! –
Pediu Tulipa, e foi seguindo o cheiro convidativo até a cozinha, onde encontrou
duas mulheres preparando broas que deixavam o castelo perfumado. Tulipa
conseguiu surrupiar um pedacinho de broa da travessa da cozinheira, levando-o
para suas amigas. Pousaram, depois, em um enfeite em forma de roda, preso à
parede. Enquanto elas comiam, o homem triste carregando a rede atravessou o
corredor, sendo seguido pelo duende. Tulipa, ao vê-los, largou a broa e voou
atrás deles, enquanto as outras duas fadas se olharam, e com pesar largaram as broas e seguirem a princesa. Assim
que o senhor e o duende saíram, afastando-se do castelo, o duende fez uma magia
abrindo um portal, onde ambos atravessaram. Tulipa não deixou por menos,
atravessou o portal, seguindo-os. Papoula e Flor de Liz a seguiram, como sempre.
Atravessaram o portal atrás da fadinha.
– E foi assim
que chegamos aqui! – Disse Tulipa a Arquia, terminando de contar a história.
Papoula,
irritada pelos maus tratos:
– E como viemos
parar aqui nesta, nesta... Quando estávamos procurando o duende que trabalha
para o homem triste, irritamos os cavalos só um pouquinho assim ó. Essa aí me
prendeu logo numa rede de borboleta.
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