XXI– A mortificação
No
quarto de Sam, vovó Clara despertou do cochilo e viu a neta junto à janela.
Clara levantou-se da poltrona e foi em direção à neta, abraçando-a. Maria pressentindo
algo diferente foi ao quarto e entrou. Radiante de ver a filha se apressou em
abraçá-la. Ficaram as três por alguns minutos abraçadas. Depois, Maria foi à
cozinha preparar uma bela refeição para a jovem, enquanto Sam abria o armário e
olhava os vestidos que vovó Clara havia confeccionado. Assim passaram o dia.No dia seguinte,
a vovó Clara e Sam foram passear no parque. Enquanto a menina olhava todas as
novidades, no lago, uma Ondina dançava nas águas, sacudindo a cauda, Sam
notando o alvoroço dentro d’água, não resistiu e, sorrindo, disse:– Oi!No entanto, foi
interpelada pela avó, que assistiu ao cumprimento, sem entender nada:– Com quem está
falando?– Com uma amiga.
–Respondeu Sam. – Eu não posso vê-la, mas vejamos. Um lago,
então? Uma sereiazinha de longos cabelos.A jovem ficou
surpresa:– Ah, que alívio.
Como sabe?– Seu avô me
descrevia cada um dos Elementais.Enquanto isso,
Sifer e Miso, haviam atravessado o portal do reino de Malkuth para o mundo de
Anwen, e se depararam com o grande cão Langport de duas cabeças, o guardião do mundo dos sonhos. Uma das
cabeças do bichano arremessou Sifer em direção ao segundo portal, ao do mundo
dos humanos, fazendo-o cair sobre uma árvore e, em seguida, sobre o chão,
agravando os ferimentos causados pelo chicote de fogo de Nazih. Miso, esquivando-se
do guardião de Anwen, conseguiu atravessar o segundo portal, e se deparou com Sifer caído
no chão, gravemente ferido.– Não sinto meu
corpo! Faça um mantra de revitalização. – Pediu Sifer. Miso o arrastou, encostando-o junto a uma árvore,
e imediatamente posicionou as mãos sobre o chakras frontal de Sifer. Concentrando-se,
pronunciou um mantra de restauração: meum
redde vitality, meum redde vitality.– Mestre, não
está adiantando, sua energia vital continua saindo pelos ferimentos. – Lamentou
Miso.Sifer, mesmo
fraco, resmungou:– Seu idiota,
procure um lugar para esconder o meu corpo!Miso o arrastou
para dentro de uma árvore grande e oca: –
Aquela menina, ela pode me curar, maldita! Eu quero que a traga aqui! Eu posso
senti-la. –
Resmungava Sifer.
Sam passeava no
parque com a vovó Clara quando teve a mente invadida por uma visão, “ela via como
se ela estivesse dentro de uma arvore espreitando o anoitecer que se aproximava,”.
A menina momentaneamente ficou tonta, enquanto uma voz sussurrava em sua mente:– Eu vou achá-la!Sifer via o
parque através dos olhos de Sam. No lago, a Ondina sentindo a presença de Sifer,
mergulhou imediatamente para dentro d’água. Sam apoiou-se na avó, que a levou
até um banco enquanto a orientava:– Venha, sente-se
aqui! Pense nos raios de sol e respire, vamos, inspire, expire!A menina aos
poucos conseguiu separar seu pensamento da influência perversa de Sifer, que, furioso
pelo bloqueio, ordenou a Miso:– Faça o
encantamento de mortificação!– Mas, mestre...
–Disse Miso, na tentativa inútil de dizer que não era uma boa idéia.Sifer agarrou o
manto de Miso e, com uma das suas mãos, puxou-o para perto de seu rosto: – Faça!Miso mais uma
vez obedeceu. Preparou-se para fazer o encantamento. Dessa vez, circulou as
mãos sobre o corpo de Sifer, uniu-as e reuniu a energia do corpo do Mestre num
só ponto, deixando o coração de Sifer imóvel, fazendo-o parecer transmutar (morto).
Depois, cobriu-o com folhas.No parque, Clara
preocupada com a neta:– Está melhor?– Estou. – Seu avô dizia
que às vezes alguém tentava invadir seus pensamentos. Eu questionei quem faria
isso, e ele me respondeu: “Alguém que não tem boas intenções, justamente aquele
que vim buscar.” Ele tentava entrar nos pensamentos de seu avô. Você ficou
igualzinha ao vovô. É melhor irmos pra casa.Miso deixou o
mestre no esconderijo na floresta, e saiu caminhando por uma trilha que o levou
à beira de uma movimentada estrada. Toda vez que tentava atravessá-la, carros
buzinavam, fazendo-o retroceder para o encostamento. A noite chegou, e o
movimento da estrada diminuiu. Miso aproveitou o baixo fluxo e atravessou,
deparando-se do outro lado da rodovia com uma multidão de pessoas circulando em
um calçadão, sendo que algumas estavam paradas em frente às lojas. A madrugada
se aproximava e com ela o silencio imperou nas ruas. Miso como andarilho
solitário, sentou-se em um banco de praça e ali adormeceu. No dia seguinte, ele
acordou com o barulho de crianças gritando e correndo ao redor do banco da
praça, que dormira. Ele se sentou e apenas observou a movimentação do parque.O anoitecer
chegava novamente e Miso, vagou novamente pelas ruas em busca de um lugar para
descansar. Em uma rua, encontrou pessoas se aquecendo com o calor das chamas acesas
saídas de dentro dos latões, utilizados pelos sem teto como lareiras, enquanto
outras dormiam em caixas de papelão. Miso cansado encostou-se frente a um dos
latões e fitou o fogo que o fazia lembrar-se das fogueiras de Cracia que o
remetia a salamandra Enila dançando ao redor das chamas nas festas de Cracia.
Intempestivamente, surgiu na sua frente à figura de Sifer:– Seu idiota, o
que está fazendo aqui?Miso pensou que
se tratava somente de uma ilusão, não deu importância. Sifer insistiu:– Vamos,
levante-se!– Mestre, mas o
senhor... –Disse Miso duvidoso. – Procure um
hotel! – Disse Sifer, compartilhando a placa de hotel.– Ah, eu já vi
um desses! É mesmo o senhor?– Não,
estafermo. Vamos! Levante-se!Miso saiu à
procura da imagem compartilhada, avistou uma placa igual, entrou no
estabelecimento e aproximou-se do balcão.– Toque a
companhia. – Recomendou Sifer.– Isto aqui? –
Questionou Miso, apontando.– O que mais seria
seu...Então Miso tocou
o dedo na campainha, produzindo um som fraco. – Assim! Seu
idiota. – Indignado com a delicadeza de Miso, Sifer bateu com a mão sobre a campainha,
transpassando-a, sem produzir som algum, ficando ainda mais indignado, encarando
Miso ordenou: – Faça! Miso, então, tocou
a campainha repetida vezes, provocando um tremendo barulho. Até que uma voz
gritou da sala ao lado:– Estou indo!Aproximou-se do
balcão um homem gordo de barba mal feita, camisa desleixada, fechando o zíper
da calça: – Em que posso ajudá-lo?Miso encarou o
homem:– Quero um
quarto! – Disse Miso seguindo as instruções que Sifer dizia em seu ouvido.– É dez dólares
a diária adiantada. – Explicou o homem. Miso, surpreso, pensando no que era os
dez dólares: – Bem, eu tenho esta pedra!O homem pegou a
pedra e a examinou, jogando-a no balcão:– Isso não vale
nada!Sifer suspirou e
sussurrou novamente ao ouvido de Miso: – “Agora o
encare e repita: Eu já o paguei pela semana toda”!– Eu já o paguei
pela semana toda. – Repetiu Miso, encarando o homem.O homem
imediatamente virou-se e pegou uma das chaves penduradas, colocando-a sobre o
balcão. Miso rapidamente a pegou e saiu à procura do quarto. Ao encontrá-lo,
ficou parado frente à porta.– Coloque a
chave na fechadura. – Disse Sifer. Miso, ainda sem entender nada, seguiu as
instruções do mestre. Abriu a porta, entrou e sentou-se na cama. Miso, ainda
atordoado, insistiu:– Mestre, como o
senhor está aqui?– Isso é
incrível, estou em uma dimensão diferente, mas não importa agora! Descubra onde
está Sam. – Súbito Sifer desapareceu sem dar mais explicações.Miso retirou do
cinturão uma pequena bolsinha que continha pó e folhas trituradas, depois,
levou as mãos ao pescoço retirando seu colar com um cristal pendurado. Em seguida,
puxou o manto de seu ombro, respirou profunda e pausadamente até relaxar e se conectar
com Sam, que estava dormindo em sua casa no seu quarto.No sonho ela
ouvia o chamado: “Sam! Sam!”.Sam com o sono
agitado, respondia como se estivesse acordada: onde você esta? O fato chamou a atenção de Maria, que
imediatamente foi ao quarto: – Sam, acorde! Sam!
Filha! É a mamãe! – Maria chamou, até que Sam acordou assustada, buscando o
conforto dos braços da mãe, fato que interrompeu a conexão de Miso.Miso, sem êxito
no contato com a jovem, decidiu apenas observar à sua volta. De pé, junto à
janela, olhava em uma das janelas do prédio em frente um homem parado
hipnotizado pela caixa que refletia luzes. Miso viu em seu quarto uma caixa
parecida, foi até ela e mexeu nos botões, tendo uma surpresa. Quando a caixa se
iluminou, apareceram imagens de mulheres com roupas de duas peças. Ele passou
as mãos sobre as imagens, sem conseguir tocá-las. Mexeu, então, novamente nos
botões, mudando os canais. Confuso com tantas imagens barulhentas sentou-se na
cama, encarando outro objeto diferente. Levantou-se e foi até ele. Não demorou
muito para descobrir o frigobar. Abria-o e fechava-o tentando descobrir como
surgia a luz do frigobar. Colocou a mão dentro, e sentiu o frio e gelo. Fechou
o objeto e sentou-se na cama novamente:– Nossa é incrível!
É magia.No dia seguinte,
pela manhã, Miso saiu do hotel para dar uma volta. Passando em frente à vitrine
da loja de roupas, decidiu entrar. Prontamente a vendedora o atendeu, fazendo-o
experimentar diversas roupas. Em seguida, a vendedora deu um papel em suas
mãos:– Agora é só o
senhor passar no caixa, ali! – Apontando com o dedo o local do caixa. Miso,
segurando o papel, foi até o caixa, entrando em uma pequena fila. Já diante da
jovem do caixa, ela disse:– A nota, por
favor!Miso a encarou,
e lembrou-se do que Sifer lhe havia lhe ensinado na noite anterior:– Eu já lhe
paguei!Na mesma hora, a
jovem do caixa ligou o microfone do alto-falante e disse: – Segurança, no
caixa dois!Surgiram, de
repente, dois homens parrudões. Cada um pegou em um braço de Miso, levando-o
para fora da loja.Miso ficou
pensando, “será que aquela jovem tem poderes psíquicos? Como ela não aceitou a
sugestão? Ela deve ter poderes!”. Miso, intrigado, continuou sua caminhada,
chegando ao mesmo parque em que, já havia passado a noite. Um amontoado de
homens chamou-lhe a atenção, e misturou-se para ver do que se tratava. No
centro do amontoado, um homem atrás de uma pequena mesa pegava uma pedrinha e a
escondia em um dos três copos, enquanto outros homens gritavam:– Está na
direita! Não, está no copo do meio!Miso começou a
dar palpites, chamando a atenção das pessoas, pois sempre acertava. Um homem se
aproximou de Miso, fez uma aposta e perguntou:– E aí, está
onde?– Na esquerda.E assim o homem
jogou e ganhou repetidas vezes, com as dicas de Miso até que:– É melhor parar
ou vou falir o coitado. – E pegando uma parte do dinheiro ofereceu
a Miso:– Pegue, este é
seu! – Disse o homem estendendo um bocado de dinheiro a Miso que relutou em
pegar.– Um dinheirinho
nunca é demais! Pegue! – Insistia o homem, e Miso acabou aceitando. – Aquele
cachorro-quente é ótimo, quer um? – Miso, desconfiado, não respondeu. – Vamos! Estou
convidando você! Vamos comer! – Insistia o homem, que, então, se apresentou: – Sou Glauco!Logo se
aproximaram da carrocinha. – Me dê dois,
por favor, completos! – Pediu Glauco ao atendente. Pegou os cachorros-quentes,
dando um a Miso, e retirando o dinheiro do bolso pagou o homem da carrocinha.
Miso gostou do cheiro do cachorro-quente e começou a comer.– Qual seu nome?
– Questionou Glauco.Miso interrompeu
a refeição para falar:– Sou Miso,
braço direito do mestre Sifer. Pertenço ao clã de Belial. Qual seu clã?– Deixe-me ver,
sou do clã da religião da pátria, a política. – Respondeu o homem.. Miso, sem
entender nada, continuou comendo.
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XXII – Instruções
No templo de Maltwood,
Arquia recebia instruções de Genesius através do espelho de cristal pendurado
na biblioteca:
– Caro irmão Arquia,
é necessário o domínio não só dos dons, mas da atividade psíquica, vibrar em
concordância com a luz a fim de ativar o campo magnético de proteção, para não
darem acolhimento a seres trevosos. Infelizmente, ha confirmação de aberturas de
portais devido ao breve desvio do eixo da terra causado pela retirada do
pentagrama. Há necessidade de fechá-los. Some-se a isso o problema da
aproximação do inevitável absinto, que trará grandes consequências. Arquia
interpelou indagando o amigo Genesius: – Absinto?
Genesius
advertiu Arquia:
–
No tempo oportuno falaremos sobre o absinto, neste momento, a prioridade é
instruir a jovem Sam, tanto na utilização de seus dons como em sua atividade
mental, para garantir suas tarefas futuras. Grandes investidas de
inescrupulosos ocorrerão sobre a menina. Coloco em suas mãos, caro irmão, a
incumbência de protegê-la e de instruí-la.
– Farei o
possível e impossível para realizar essa tarefa! – Prometeu Arquia,
– A paz, irmão! –
Dito isso cessou as imagens do espelho, e Arquia mentalmente emitiu uma
solicitação a todo o povoado: compareçam na praça às 12 horas.
Algum tempo
depois, os Elementais já reunidos conversavam alvoroçados enquanto aguardavam a
presença de Leonel, que chegou apressado. Arquia, de pé no último degrau da
escada do templo de Maltwood, deu início à reunião:
– Agradeço a
todos que deixaram seus afazeres para virem à reunião! O assunto em pauta é a
necessidade de elevação dos pensamentos. Está vindo sobre Gaia uma grande carga
magnética de má procedência, determinada a nos destruir. Será necessário
colocarmos sentinelas e reativarmos a gôndola invisível sobre a cidade. Todos
precisam ajudar do menor ao maior Elemental de Malkuth, incluindo o guardião da
montanha! Há alguma pergunta sobre esse assunto?
– Andira, uma
anciã Elemental do clã de Anasazzi, levantou a mão:
– O guardião das
montanhas nunca se importou conosco!
– Dessa vez é
diferente, não é a nós que ele irá ajudar, mas algo muito maior que nós! Há
algo mais a ser resolvido. A menina Sam que esteve conosco, ela precisa de
proteção e de instruções. –Elion prontamente levantou a mão:
– Por que ela
não retorna a Cracia?
– Não, desta vez
os instrutores deverão ir onde a menina está e ensiná-la a aprimorar os dons. Ela
é muito jovem e inexperiente. Quem gostaria de assumir essa tarefa? Eu mesmo
gostaria de ir, mas infelizmente tenho outras tarefas.
Os membros da
reunião se olhavam enquanto discutiam entre si, até que Arquia perguntou novamente:
– Chegaram a um
consenso?
Taranis levantou
a mão:
– Eu posso ser a
instrutora de Sam!
– Ótimo! Taranis
irá. Quem mais? – Questionou Arquia.
Nazih se ofereceu
levantando a mão.
– Então, vocês
dois juntos serão os mentores da menina. Agradeço a presença de todos! –Arquia
satisfeito finalizou a reunião. Alguns Elementais retornaram aos clãs, enquanto
outros voltaram a seus comércios.
Arquia e Leonel seguiram
para templo de Silbury, para acertarem os últimos detalhes da passagem de Taranis
e Nazih pelo portal de Anwen. Chegando ao templo foram direto a biblioteca. – Você
encontrou o livro? – Perguntou Arquia.
– Vamos ver! –Disse
Leonel, indo até a velha estante empoeirada. – Ah, eureka! Está bem aqui!
Puxou um dos
livros, soprou a poeira e o levou à mesa e o colocando sobre ela. Abriu-o e
começou a folheá-lo.
– Vejamos!
Encontrei! Você quer fazer as honras? – Disse, oferecendo o livro a Arquia, que
o pegou:
– Vejamos o bom
motivo que me deixa atravessar o portal, “na aurora canto e no sono embalo
Langport”. Amanhã pela aurora eles poderão atravessar. Imaginei que teríamos
mais tempo para prepará-los.
– Vamos pela
montanha dos ventos. – Recomendou Leonel.
– A velha
montanha dos ventos! Uma velha amiga! Avise Taranis. – Disse Arquia nostálgico.
– Avisarei
Taranis de que será amanhã! – Garantiu Leonel.
– Vou a Anasazzi
comunicar Nazih. Amanhã nos encontramos. – Arquia finalizou a conversa e partiu
em direção a Anasazzi, onde passou pelos portais de fogo, encontrando Elementais
que se acendiam a todo instante. As crianças brincavam com as labaredas que saíam
de suas pequenas mãos enquanto a professora Lira os monitorava.
– As crianças
estão empenhadas em suas tarefas! – Disse Arquia satisfeito.
– Alguns já
dominam o mistério do fogo. –Afirmou
Lira orgulhosa.
Nazih, sentindo
a presença do mestre em Anasazzi, o procurou, ao vê-lo, disse: – Esta me procurando?
– Vim para
acertarmos. – Disse o Mestre.
– Sim, venha! –
Convidou Nazih, e foram ambos se afastando em direção aos bancos em chamas.
– Quando iremos?
– Questionou Nazih.
– Amanhã,
durante a aurora, o portão se abrirá! Está preparado? – Indagou Arquia.
– Espero que
sim! Receio conviver com os humanos – Disse Nazih duvidoso.
– Não se preocupe.
Nisso a menina o ajudará. – Arquia consolou o amigo.
– Ela já sabe
que estamos indo?
– No momento
oportuno, avisarei
XXIII– O mundo inferior
Enquanto isso,
Sifer explorava sua mais nova forma, através de um simples pensamento, era
capaz de se deslocar de um lugar a outro:
– ”Vejamos,
quero ir a um local bastante frequentado pelos humanos”. – Apenas um pensamento
o fez aparecer na rua principal da cidade dos humanos.
– Ah! Que magnífico!
– Disse Sifer se deliciando com o feito, até que pessoas o atravessaram sem
notá-lo, causando-lhe asco:
– Que pessoas horríveis! – Sentindo-se enojado,
mas satisfeito por sua mais nova habilidade, a locomoção por pensamento, que
não durou muito tempo. E inevitavelmente foi sugado a outro plano ou dimensão,
fazendo sua aparição próxima a um grupo de aspecto horroroso com inúmeros
pontos negros ao redor de seus disformes corpos astrais. O grupo arquitetava um
plano. Sifer, experiente em fazer maldades, os espreitava a certa distância. Um
dos integrantes, sentindo-se vigiado, perguntou:
– Ô chefia,
aquele ali tá olhando o quê?
O chefia, o pseudolíder
do grupo dos perversos, respondeu:
– Espere! – E aproximando-se
do novo curioso observador:
– Você é novo
aqui?
– Fui sugado
para cá! – Respondeu Sifer contrariado.
– Venha! – Convidou O chefia conduzindo Sifer para junto do
grupo. Ele não demorou em descobrir as mesmas afinidades torpes das dos
integrantes do perverso e inescrupuloso grupo. Sifer aproveitou para aprender
os feitos do novo mundo. Observava tudo à sua volta, os perversos subjugando os
mais fracos, enjaulando-os e torturando-os, as maldades pareciam os alimentar. Um
recém-chegado era despido por um dos elementos do grupo enquanto outro o
queimava com pequenos pontos acesos. O torturado, sem forças, tentava alcançar
as pequenas chamas da mão do perverso, mas era inútil. O integrante mais
intolerante do grupo estava como expectador dos torturadores, e disse:
– Esperem!
Chegou mais alguém. Vamos dar as boas-vindas.
– Vamos. Você
vai gostar! – O chefia convidou a Sifer.
O grupo, tenebroso,
começou a correr transformando-se em manada de animais quadrúpedes disformes,
feito um estouro de bois. Sifer os seguiu até pararem em um lugar sombrio meio
as frias lápides e pequenos mausoléus. Sifer questionou:
– Que lugar é este?
– Você não sabe?
– Ironizou o chefia: – Procurem! –Ordenou ao grupo.
Os perversos imediatamente
começaram circular entre as lápides
procurando o novato. Um dos integrantes do grupo gritou:
– Achei!
O chefia se
aproximou:
– Não! Não mexe
aí, esse não é nosso! Sai já daí!
Outro componente
do grupo anunciou:
– Está aqui! – Todos
foram ao túmulo do novato.
– É ele está
aqui. Sintam! – Disse o chefia, aproximando-se do corpo do novato: – Adoro
isso! – Sugando a energia vital que ainda saía do corpo do morto.
– Pegue-o! –
Ordenou o chefia. – Antes que pudessem prender a alma do novato, no céu uma luz
irradiou o cemitério. O grupo dos perversos, não suportando a magnífica luz, se
escondeu atrás de lápides e covas ainda não usadas. Sifer, com os olhos
ofuscados, tentava contemplar o clarão, e impaciente argüiu:
– O que é isso?
– Caramba, tu
não sabe nada! Esses são os... Os anjos! – Respondeu o chefia insatisfeito e enojado
apontando para o alto. Em seguida, continuou: – Vieram buscar o que é deles.
Descia do céu um
grupo de guerreiros sobre cavalos alados, ornados com vestes brancas, e empunhando
espadas.
Um dos anjos guerreiros aterrissou sobre o solo
sagrado, desceu do cavalo, foi a uma das
lápides e enfiou a mão, puxando a essência radiante de uma mulher. Colocou-a na
garupa do cavalo e juntou-se aos demais cavaleiros que o aguardavam pairando ao
ar. Logo partiram desaparecendo no céu.
A escuridão
imperou novamente no cemitério. Os perversos saíram de seus esconderijos,
aproximando-se novamente do desafortunado novato:
– Mas o que é
deles? – Indagou Sifer.
– A essência! –
Respondeu o chefia. – Vamos logo! – Os perversos acorrentaram a pobre alma!
– Por que
correntes. – Sifer quis saber mais. Um dos integrantes do grupo respondeu:
– Porque ele
fazia tudo o que sugeríamos. É miserável, sem força!
– Mandavam fazer...
– Insistiu Sifer curioso.
Os malfeitores
ignoraram Sifer se transformando novamente em animais, envolvendo o novato em
um redemoinho. Então, retornaram ao mundo sombrio em que habitavam.
– Tá a fim de
conhecer o lugar? – Convidou o chefia.
Sifer exibiu um
gesto com a cabeça, indicando que sim.
– Venha!
Acompanhe-me. – Levando-o a outro local, continuou:
– Aqui é um dos
vales! – Uma diversidade de seres jogados no chão gemendo, alguns com órgãos
expostos, outros com buracos de bala, eram todos os tipos de ferimentos.
– Por que estão
feridos? – Sifer questionou
intrigado.
– Você ainda
pergunta? Eles sentem a dor que eles mesmos provocaram a própria morte. Venha! –
Insistiu o chefia, tirando Sifer dali. Levando-o até os limites do vale,
próximo ao feixe de luz que os cegava, incapacitando-os de ultrapassar e ver a
cidade maravilhosa abrigada pela intensa luz. A cidade dos bem-aventurados.
– Você falou em
um dos vales? – Sifer continuava curioso.
– São sete
vales. Esse feixe de luz é outro vale? Não sei! Dizem ser um dos sete céus, mas...
– confuso tentava explicar:
–Venha! – E atravessaram a névoa úmida, até as proximidades
de um muro:
– Esta vendo aqueles portões! Conheci
alguns que entraram e nunca mais saíram, se olhar para cima vai ver as
sentinelas.
– Mas o que há
lá dentro? – Insistiu Sifer.
Os portões se
abriram. O chefia inesperadamente puxou Sifer, ficando ambos escondidos pelo
nevoeiro que cobria o chão:
– Não olhe! Fique
em silêncio aqui!
Sifer deitado
junto ao chão levantou a cabeça e na tentativa de espiar viu saindo pelos
portões quatro jumentos puxando uma carroça acompanhada por cães, que
circulavam agitados ao redor da carroça, instigados por um dos cães que latia
em direção a eles (Chefia e Sifer). Assim
que a carroça tomou distancia, o chefia irritado:
– Não precisa
perguntar. São os monges samaritanos. Chega! Isso tá me dando nos nervos. Vamos
embora!
Eles retornaram junto
ao grupo dos perversos torturadores. Até que um deles gritou:
– Tá na hora de dar
uma voltinha! Vamos nos divertir!
O bando aplaudiu
concordando, e mais uma vez correram como uma manada. Dessa vez, o grupo transportou-se
para um bar, bem movimentado. Assim que chegaram, os perversos buscaram se
aproximar das pessoas suscetíveis e com as mesmas afinidades. Um deles encostou-se
no balcão ao lado de um homem alcoólatra, vampirizando-o sugava a energia do homem.
Outro perverso aproximou-se de um casal lascivo, enquanto outros dois perversos
usavam sua influência sugerindo pensamentos de discórdia entre dois homens
suscetíveis àquelas vibrações bizarras. Assim que conseguiram realizar a briga
no bar, ficaram apostando.
– Vamos! –
Ordenou o chefia entediado.
– São uns tolos,
tudo que a gente sugere eles fazem. – Disse um dos perversos, dando uma
gargalhada, provocando o riso dos demais que se reuniram e saíram do bar como
uma manada. Retornando a sua esfera, voltaram a torturar as essências
agonizadas e fracas. De longe, misturado ao nevoeiro e à fumaça de pequenos
focos de fogo, aproximava-se alguém aos gritos que se misturavam aos gritos e
gemidos de quem era arduamente torturado. Mas assim que se aproximou, viu-se
que se tratava de um mensageiro, que foi logo dizendo:
– Estão chamando
lá em baixo!
– É comigo? –
Perguntou o chefia.
– É pra levar
esse cara aí! – Disse o mensageiro, apontando para Sifer.
– É melhor irmos
logo, porque quando ele chama... Hum.
E partiram em
direção ao amontoado de rochas, passando entre as fendas até chegar à estreita
e falhada estrada que descia ao abismo, à região mais sombria do Reino das Névoas.
– Parece que tem
algo nos espreitando. – Disse Sifer.
– Não esquenta, são
só bichinhos de estimação! Espia ali. – Disse o chefia, apontando a direção.
Sifer espreitou
entre uma das fendas da rocha e contemplou o bichano, um dragão com cinco
cabeças, com serpentes enfeitando seus pescoços feito colares.
– Aquele é
Cerberus, o guardião do poço. Quando o vi pela primeira vez, fiquei todo
arrepiado. Vamos! – Explicou o chefia.
Eles desceram ao
longo da sinuosa estrada do abismo, enquanto eram observados atentamente por
dragões, que estavam parados sobre as torres do funesto castelo rodeado por um
poço em chamas.
Já na profundeza
o chefia e Sifer atravessaram a ponte sobre o lago em chamas até o portão da
entrada do castelo, que os levou a um grande salão com diversas salas. Em uma delas,
seres gananciosos, abraçavam suas riquezas; em outra, homens e mulheres
copulavam sem culpa entre grupos; na sala mais distante, um grupo de jogadores
apostava. Sifer espreitava atento na tentativa de ver todas as salas, enquanto
atravessava o salão.
– Isso aqui é o
paraíso! – Disse o chefia, com sorriso no rosto chegando ao termino do salão. Eles
subiram um pequeno lance de escadas passando direto por uma porta de madeira
com uma pequena grade, de onde saíam gemidos e prantos.
– O que é isso?
– Quis saber Sifer.
– Esses são os
Devas caídos. Eles estão dentro do poço do abismo. É todo tempo, ficam gemendo,
implorando. – Respondeu o chefia irônico.
– Por que não os
soltam? – Questionou o cínico Sifer.
– Simples. Porque
ninguém daqui tem a chave! – Disse O chefia debochando.
Logo entraram em
uma sala iluminada por paredes em chamas avermelhadas, cujo no centro uma
suntuosa cadeira de costas parecendo-se com a forma de um trono, e flutuava acima
de um planeta.
– Então este é o
tal que veio a passeio! – Disse a voz vinda do trono que inesperadamente virou,
ficando frente a frente, revelando a aparência do ocupante do trono, de um nobre cavaleiro.
O chefia cutucou
Sifer, e sussurrando disse: – Abaixe-se! – E reverenciando Serapias, continuou:
– Sim, mestre, é ele.
– Qual seu nome?
– Questionou Serapias.
– Sou Sifer, do
clã de Belial. – Respondeu.
– Como você veio
parar aqui? – Indagou Serapias.
– Fui gravemente
ferido, então ordenei que fizessem sobre meu corpo um encantamento de
mortificação.
Serapias se
levantou, circulou ao redor da cadeira, arrastando as correntes do punho e
tornozelo direito que o prendiam a cadeira, possibilitando-o de andar somente
ao redor do planeta Gaia.
Uma mulher com feições de um felino aproximou-se
apressada interrompendo a caminhada de Serapias.
– Está tudo pronto! –Disse a mulher
ofegante e satisfeita.
Serapias sentou-se, e com a visão estilhaçada
no centro de sua testa encarou Sifer com desdém. De súbito, ele levantou-se avançando
rapidamente em direção a Sifer, impedido de aproximar-se mais devido as
correntes, esticou apenas o dorso para frente, revelando sua verdadeira
natureza, uma aparência bizarra, ficando face a face com Sifer:
– Você tem
quatro luas cheias pra sair daqui, se não...! –E retornou ao trono indo na
direção de Hel, a mulher que o interrompera.
Sifer,
sentindo-se congelado de ódio, retrucou: – E se eu não conseguir?
– Ficará aqui! –
Disse Serapias segurando na mão da mulher:
– Vamos querida!
Hel. Você está cada vez mais linda! –Seguiram caminhando para trás da cadeira e
misteriosamente o cenário se modificou. As paredes em chamas desapareceram, evidenciando
ao redor a multidão de seres apodrecidos e desfigurados que gritavam e
gesticulavam exaltando Serapias, que, mesmo com os movimentos restritos pela
cadeira, ergueu os braços provocando a aparição de suas asas negras:
– Meus amigos e
irmãos do reino de Helheim, Ragnarok está próxima, tudo está sendo preparado. Houve
uma reunião com o Ministro da Guerra, e declaro que estamos movimentando tropas
de observação e sugestão ao planeta Gaia.
O alvoroço da
multidão foi imediato. O chefia e Sifer encaravam a multidão que habitava as
áreas mais frias de Helheim.
– Vamos embora!
– Sugeriu o chefia.
No retorno,
Sifer questionava:
– Por que a
terceira visão dele é igual a uma pedra colada em várias partes?
– Ele é um deva
caído, e quando foi lançado ao abismo, a perfeita terceira visão de esmeralda se
quebrou, tornando-se uma visão turva. Agora! Ele enxerga conforme sempre pensou,
mas quero saber como você vai sair daqui?
– Você falou em
um dos vales? – Sifer continuava curioso.
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